Uma
realidade determinada inventa a poesia?
Estilos
ideológicos, determinadas épocas, disposições emocionais do autor perante
circunstâncias sociais ou íntimas gerem a linguagem poética?
Palavras
mais vocábulos e mais técnicas... Elaboram a melodia envolvente das expressões?
Manuel
Carneiro de Sousa Bandeira Filho e Carlos Drummond de Andrade por meio das
enigmáticas mágicas das palavras
respondem a essas indagações! E através desse carisma metamorfosearam-se em “estrelas literárias” compartilhando
ativamente das transformações de sua época.
Vida e
poesia são entretons envoltos em experiências e procuras infindáveis por meio
do fluxo feiticeiro das palavras numa bifurcação psíquica germinando (enfim!) poetas como eles. Admiráveis!
Tendo-os como modelo, podemos garantir: fazer poesia significa
ultrapassar emoções recriando universos globais de cores e expressões! Plenos
de estrelas numa linguagem eterna: a alma humana.
A curiosidade levou-me a ler sobre eles e pareceu-me que ambos
transpõem limites transcendentais (num deslumbramento antes da poesia: em busca
de conhecimentos eternos do ser!) em luta constante com melancolia, angústia e duelos vida/morte num
drama profundo da própria dor ou busca
do equilíbrio do júbilo de existir!
Após muitas buscas, Manuel
Bandeira desvendou sua inspiração
libertadora no corriqueiro, desembaraçou-se
da exata metrificação imperiosa e esquadrinhando
(em seu espírito poético!) impresumíveis e absorventes imagens ajudou na demolição
do protótipo lírico existente, edificando o
“livre-arbítrio” literário jamais ousado no Brasil.
Carlos Drummond
evolucionou da poesia temática para
deparar com a lírica da forma:
inspiração interior num movimento harmonioso transmutando gradativamente seu próprio
eu!
Eu maior
que o mundo: emoções dominam as
naturezas e olhares poéticos turvam o domínio crítico e de remoque do escritor;
Mundo é maior que o eu: no
amadurecimento do poeta o universo torna-se infinito (Mundo Grande) e a busca
reinicia-se fora do eu.
Edificação
da sensibilidade poética nos círculos amplos do mundo levou-o a uma agudeza de que a poesia não se descobre nos
objetos, porém nas expressões linguísticas!
Nesse momento aconteceu um
nítido corte com o pensamento antecedente
de poesia que havia sido delineada por
outros modernistas (inclusive Manuel Bandeira que reconstruiu para
adaptar uma inovação literária).
Podemos concluir que para
Bandeira os caminhos do lírico foram às apreciações do prosaico e para Drummond
a linguagem.
Assim
efetivou-se o abandono do básico conhecimento lírico (onde alguns objetos são
considerados inspiradores!) para revelar a mágica poesia em tudo.
Logo
após, ambos caminharam de encontro a inúmeros temas onde o negativismo
tornou-se poético.
A iluminação envolveu Manuel Bandeira, como poesia saudosista,
arrebatando do cerne de sua alma, o entalhe de “realidades encantadoras”
com o feitiço das palavras: eu lírico numa metalinguagem.
Utilizou
atitude humilde, ponderada e harmoniosamente lapidada mais pelo raciocinar do que pelo sentir. Bem
que esse escrevedor de versos( artífice
nas artes de medir seguindo inteligentemente regras rígidas de
versificação); Buscou concretizar
estilos tão variados e que numa finura
pioneira em versos no Brasil (arte moderna!) causou impacto e mudanças... Jamais será poderá ser considerado simples poeta!
Drummond aventurou-se ser impregnado pela poesia. Não obteve esse êxtase misterioso! Submergiu-se, ele próprio, num metamorfosear
de suas visões poéticas nesse interminável “universo das palavras”.
Nesse
teatro de vocábulos os atores principais são além da palavra e da poesia,
o próprio eu lírico de Drummond, que
nos envolve num olhar meditativo,
longínquo e onipresente!
As
indagações ontológicas e refinadas transcendências de Drummond germinaram atualizadas, próprias de sua época! Mesmo assim
ele ousou, esvoaçou em busca de novos estilos e composições encantadoras!
Principiou aprimorado, e atormentado entrou para a história.
Manuel Bandeira fez o contrário: encarou sua simplicidade complicada e difícil
revigorando a poesia em plena
transformação literária e mesmo assim conseguiu adotar a mesma agilidade e maestria
dos primeiros modernistas!
E qual é a “Poética”
de Manoel Bandeira?
Encantada com esse artista das letras, busquei respostas. Deslumbrei-me.
Manuel Carneiro de
Sousa Bandeira Filho constituiu a legitima metalinguística materializada em feitio de poeta:
o código narrando si mesmo!
Explorador
do Modernismo brasileiro (metalinguagem: intertextualidades ou
metatextos, “alumbramento” e a técnica de “desentranhar” poesia das coisas.).
Características peculiares e criadoras
de “ uma identidade nacional” desse admirável escritor são o humor e melancolia:
perante a angustia da certeza da morte por causa da tuberculose buscou equilíbrios
por meio da ironia, própria poesia e
memórias da infância. De
tal modo, tornou-se a concepção viva modernista de estabelecer a complexa significação
do que é ser cidadão brasileiro!
“Poética” – (1930) parte do livro
“Libertinagem”: item belíssimo e emblemático dos estágios
metalinguísticos com ecos do passado
e reavaliação de valores do poeta.
Seu
universo literário, egocêntrico e fechado, “volveu em volta” de suas emoções sobre a
própria doença, amigos, amores e desamores, pleno de simbolismos cultivados na história
de sua infância. O mais poético dos poetas! Maravilhoso!
Inspiração arrebatadora num jeitinho simples e direto ( não realmente
simples!), seu inventar poético nos envolve
num conjunto de criações, simbologias e ideias expondo o deslumbramento
das palavras sentidas.
Inteligente
observante dos fatos reais do existir utilizou uma encruzada intertextual tão
selada com sua
vida pessoal que elucidava poeticamente
sobre o que estava expondo. Assim, a entranha de sua alma repartia-se em poesias com temas ingênuos ou
complexos.
Para ele, a poética significou a negação
de antigos apegos literários e justificação de um lírico mais livre
acordando a importância da modernização literária.
Numa liberdade
plena de forma (estética modernista) com versos livres, supressão da pontuação,
reiterações e imagens que negam os
valores ultrapassados das estéticas anteriores numa estrutura linguística
sedutora.
Esse
seu sentimentalismo lírico autêntico e
libertador possuem duas ideias básicas: linguística e comportamental: utilizou
(reforçando sua mensagem) indivíduos
julgados socialmente por seus
desequilíbrios: alienado, alcoolizado e palhaço brincalhão, ou seja, seres que
se permitem serem naturais e libertos de quaisquer censuras ou recriminação.
Evidenciando
desagrado com os valores literários clássicos o poeta aliou detalhes
triviais das estéticas antigas para chacotear seus limites absurdos, usou
expressões científicas e conceitos típicos do dia-a-dia comum;
Utilizou uma figura dramática caracteristicamente
modernista: funcionário público e espaço
burocrático;
Zombou
da estética romântica: o lirismo galanteador,
político, raquítico e sifilítico.
Derradeiro
verso resume todo o poema:
“- Não quero mais saber do lirismo que
não é libertação”.
E... Carlos Drummond de Andrade?
Escritor atormentado buscou sempre
contextos racionais sobre o existir,
conhecer, importâncias morais/estéticas, intelectuais e linguísticas
(clássico, mesmo em suas inovações). Extraordinário estrategista que se movia na imensidão das palavras, retrocedendo e investindo
entre “estrelas reais e abstratas” amoldando cintilações de emoções numa
liberdade interminável.
Utilizou metalinguagem (com matizes fulgentes de lirismo) num inventar
metapoético: a própria poesia são o sujeito e
objeto direto.
Habilmente
empregou temas de suas memórias da terra
natal, família, amigos, existir humano, conflitos sociais numa visão irônica do
mundo e indivíduos.
O desprezo com as dessemelhanças sociais coexiste com seu intenso sentimentalismo, ponderações humoradas, sensível e inteligente num profundo
anseio refreado e
constantemente por meio do verso livre e uso de palavreado
coloquial.
Silêncio e poesia: nessa busca se aceita o
imprevisível e mudo donativo das palavras resguardadas nas entrelinhas da
linguagem.
“Procura da Poesia” foi dividido em duas partes:
Primeiro, o autor esclareceu sobre quais as apreensões que não são necessárias
para alguém que almeja inventar poesia.
Logo após, explanou sobre a laboração da
linguagem e seu real contexto poético.
O estilo com o qual manuseamos os
vocábulos matizando indefinidas incubações
textuais, libertando a essência dos símbolos num sentir e vivenciar cada
letra exprime as nuances mágicas de se
fazer poesias. Não importa o tema, e sim como articulamos o dizer!
É
essa a mensagem desse poema- sinopse da metalinguagem de Drummond: a palavra esboça, matiza e flameja a
própria palavra!
“Penetra”, “convive”, “aceita”, “chega”
e “repara” as tonalidades das palavras e contemple-as em suas próprias
constelações entre a realidade e o cosmos místico dessas letras. Enfim,
aperfeiçoe a serenidade e meditação
permitindo que sua alma veja o que elas desvendam nos espaços “policromáticos”
das expressões.
Silêncio! Ouça as palavras mudas ou
comunicadas transmutando-se em poemas.
Revelar-se-á a indagação fundamental das palavras a quem
arriscar penetrar nas nuanças de
seus enigmáticos horizontes: “Trouxeste a chave?”.
Enfim... Quem gosta de ler conhece o fascínio que esse universo nos oferece.
Ao
transformar as letras em versos/reversos jazemos... E nos decompomos além das
palavras: ser e reencontrar outras expressões no tão somente ser!
Assim são
esses autores, além de criadores de uma tradição literária atualizada (moderna)
e livre de dogmas absoletos.
Encantei e perdi-me... em busca
de metapoesias! E reencontrei outro ser mesclado em outros horizontes: Drummond e Bandeira.
A eterna
poesia do fazer poético de deles possui mais afinidades que diferenças:
Cada qual
peregrinou por suas etapas humanas e literárias com particularidades íntimas e
surpreendentes, sendo reconhecidos (ao mesmo tempo) como modernistas e intemporais!
Manuel Bandeira: lembranças da infância basicamente compuseram sua alma poética;
Carlos Drummond:
absorveu conquistas e conhecimentos poéticos de Manuel Bandeira refletindo essa
experiência em suas poesias;
Em questões de estilo existem poemas de Bandeira que recordam Drummond;
Os dois participaram da concretização dos
conceitos do Modernismo, indo além com seus brilhantismos pessoais;
Drummond
e Bandeira ousaram nos
conceitos particulares do movimento
concretista por desafio intelectual e mesmo assim, ambos tornaram-se o
“encontro” desse dom metafísico das palavras numa linguagem mágica da
criatividade humana, além dos desafios intelectualizados ou racionais!
Tornaram-se tradição influenciando gerações posteriores.
O experimento do existir e a vivência da
poesia estão entrelaçados nas facetas emocionais
da individualidade humana que se materializa “poeta”. Como humanos e artífices são articulados/matizados “argumentos/momentos” numa concepção cósmica
literária.
Carlos
Drummond e Manuel Bandeira expressam: “Transformar o
próprio “eu” em caminhos de palavras, rompendo com cadeados sociais e muralhas linguísticas,
libertando o emocional não raciocinado ou desconsertado numa vasta ação
criadora de silhuetas simbólicas da consciência/inconsciente... Apenas
palavreando o sentir e o viver”.
Que belos caminhos de palavras... Vamos ler?