quarta-feira, 27 de abril de 2011

Nossas almas... São estrelas em transformação!

Sempre buscamos caminhos...
Reencontrando... Nós mesmos!
Reiniciando novos destinos perante a eternidade 
do Viver e Recomeçar!

sábado, 2 de abril de 2011

ANJO BÊBADO



   
    Esvoaçando nas lembranças dos dias que vivi... Lembrei-me de um amigo que cativei... Conquistou-me, um dia!
    Baixinho e de cor trigueira... Fala arrastada e toda ‘descosturada’!
    Ele dizia que precisava remendar cada frase ou palavra que falava.
    E ria... Gargalhando gostoso!
   
Tanta estória possuía para contar! 
Adorávamos ouvir tantas aventuras e sonhos!
    Mundo de gente grande era empolgante!

    O moço moreno trabalhava e gostava do serviço.
 Honesto e esforçado.
    Serviço  pesado, mas ganhava o necessário para sobreviver!
 - Viver tem que pagar?
    Eu pensava em minhas dúvidas. Devia ter preço!
    Meu amigão estudava à noite.
    Era analfabeto... Desejava aprender a desenhar o próprio nome... 
    Depois, um dia, conseguir o diploma do fundamental... E batalhar por um emprego menos suado!
     Meu ‘amicíssimo’ contava histórias e mais estórias! 
     Era sincero e feliz em sua simplicidade.
    Pra mim... Ele era a mais contagiante alegria!
Eu, como toda criança...  
   Encantava-me com sua voz grossa...
 Repleta de fantasias! 
 O relógio foi construindo horas, dias, meses e anos.
 Inflação, deflação, desemprego, recessão, pacotes políticos (econômicos?!) salários mínimos... 
  Sonhos foram se distanciando!
  Meu ‘amigalhão’... Pra esquecer as agruras, os obstáculos ou para arejar a cabeça... Começou a beber uns goles. 
Algumas cervejas com os amigos!
      Uns goles e outros goles!
 Lentamente, foi metamorfoseando-se em vencido camaleão!
          Apreensiva, senti saudades do moreno baixinho...
              Meu aliado da infância e das fábulas!
      Às vezes, ele era atencioso e brincava conosco.
      Outra, não queria conversa! Transformara-se... Cambaleante e agressivo!
      Eu já me tornara uma adolescente.
      Sentia receio de descobrir-me adulta!
      Assistia a transformação triste do meu amigo... Que se tornara exagerado na alegria, em gargalhadas escandalosas... E risos oscilantes!

O contador de estória esquecia-se de seus objetivos... Assumindo uma amargura fantasiosa e violenta!
    A bebida bebia longos goles do amiguíssimo... 


E sugava-lhe toda a personalidade, 
instinto de preservação ou auto-estima!
    - Bebo socialmente! Ele concluía compenetrado em si mesmo: nos goles!
    Eu o abraçava, dizendo-lhe:
    - Você é alcoólatra... A presa de um bizarro camaleão   Tornando-se (também!) um camaleão! Parece inofensivo... Ou  alegre, mas vai sugando a nossa dignidade e amor próprio! 
Destrói e domina nossa vida...
    Ele sorria indulgente com minha caretice e saía para divertir-se com os amigos. 
Apenas um lazer social!
    Apaixonou-se e resolveu evitar as cervejinhas e os amigos de bar.

    Reconheceu que era dominado pelo desejo insano de beber. 
Mas, não era alcoólatra!
    Casou e mudou-se de cidade.
     Fui estudar e ficou a lembrança da amizade com o contador de estórias!
Cresci... Cresci... Hoje, sou adulta!
    Andando pelas ruas num passeio tranqüilo, tropeço num corpo alquebrado e sujo... Na calçada!
    Esmaga-me o coração ao vislumbrar o rosto daquele corpo abandonado!
    Olhos marejam orvalhados de noite... Escurecidos! 
Anoitecer que se materializou em minha alma!
    Reencontro meu narrador de contos, da minha infância feliz!
   Que se omitem de realmente existir!
    Perdem a si mesmos nos miasmas alcoólicos...
    Ele reconhece-me...
    Sorri desdentado, balbuciando frase descosturada de uma existência remendada!
    Ajudo-o a erguer-se e caminhar para sua casa.
    Começa a maratona: internação, alta, recaída, clínicas, ruas, bares, internação, alta, recaída... Pára!
    Acaba seu casamento: esposa se cansou das humilhações e pobreza extrema!
    Filhos envergonham-se do safado!
    Familiares evitam o fardo inútil e problemático! ... Bêbado!
    Perde o emprego miserável!
    Desiste do  autodomínio, orgulho... Ou auto-estima!
    Resta-lhe o álcool... As ruas... E as alucinações de uma falsa vida!
    Carência ou excesso de amor? Doença física, psíquica ou desequilíbrio emocional? Hereditariedade? Desespero? Egoísmo?
    Não sei.
   Meu telhado é de vidro... 
   E mesmo assim, esqueço-me de reconhecer as estrelas...
    Nessa busca de respostas, compadecida pelo seu dilema, torno-me (novamente!) sua amiga... Única amiga!
    Agora, eu aprendera a contar estórias...
    Penetrava audaciosa no universo de gente grande.
Altos e baixos... Alternaram-se!

       Quem convive com um camaleão, reconhece o quão difícil é ajudar... E respeitar alguém que se destrói sistematicamente e perde contato com a ‘verdadeira’ realidade de sua vida!
    Um dia, ele desaparece.
    Reaparece num hospital.
    Entrara numa briga, totalmente alcoolizado e se ferira seriamente!
    Ao entrar no UTI... Pelas portas de vidro, ele vê-me... 
Entre lágrimas, reconhece minha compaixão!
    Longo tratamento!
 Além das lesões físicas, o organismo encontrava-se desnutrido e intoxicado.
  No quarto do hospital... Seguro suas mãos esqueléticas, enquanto ele desabafa seus sentimentos:
    - Preciso me libertar! Quero viver sem a bebida.
 Mas bebo qualquer coisa... Até perfume, desde que contenha álcool! Pensava que bebia porque queria... Opção!
 Mentira! Eu sou mentiroso. Preciso de ajuda! Não! Não mereço... Agrido quem tenta me ajudar!

 Num espasmo apavorante, em pleno desespero, grita histericamente:
    - Amarrem-me! Não deixem que eu beba! Preciso viver. Perdi o emprego, amigos, família... Não permitam que eu minta para mim mesmo!
    Seus olhos entorpecidos de dor... Encaram-me!
    Eu vejo um anjo! ... Caído e com asas fraturadas de desespero!
    Anjo bêbado de erros, incertezas, sonhos, acertos... Humano!
    Eu vi um anjo... Meu amigão... Que me contava mais uma de suas estórias:
    - ‘Era uma vez uma noite infindável, onde a prisão emocional e social  encarcerava...  Num emaranhado de escuridão! Noite bêbada!’

    Recomeça o dilema: internação, alta, recaída...
 O dependente químico, além de assumir sua condição, necessita desejar vencer o vício... Confiando em profissionais competentes, aceitando um grupo de apoio e buscar... Intensamente... Apoiar-se no amor de Deus. 
Precisa da família e amigos. Confiar!
Uma luta crudelíssima!
    Vencer seus próprios limites e erros!
    Ele foge desnorteado.
    Perdera a vontade de lutar e vencer!
    Venceu o vício amaldiçoado?
    Meu narrador de estórias emudece.
    Sua voz... Desiste de acreditar!
    O som dos lábios está cansado.
    Ele abdica de amar... Desaparece novamente!
    

Envelhecido, magro amarelado...
Palavras e frases  costuradas... Sussurros remendados em desalinhos...
Procurando lembranças adoradas!
    Ele ainda precisa de carinho!
    Retornou a contar estórias.
    ... As quais morrem em seus lábios! Macerados de bebida...
    Vi-me vencida! ... Gargalhadas anoitecem em sanguinolentas sensações de dor!
    Ele, sem amigos, nada de amor!

    Num bar qualquer, de uma cidade, de algum país, de qualquer planeta... De algum sistema solar...

     Meu anjo... De bar em bar...
    Semimorto, sem querer libertar!
    ... De rua em rua... 
    Numa loucura acirrada e nua!
    Vencido... 
    Tornou-se esquecido!
    Em sonhos macilentos... 
    Seus instantes lentos...
    Eternidade de momentos!
    Ah, louco vício enlouquecido!
    Meu anjo entregou-se às asas negras do destino!
    Ao contrário... 
    Sem horário...
    Sucumbiu... Pecou?
    Nas asas azuladas do vento...
    Sendo menino, como homem não se amou!
    Sendo humano, perdeu-se no tempo... 
         




 O anjo que vi!