EU VI UM ANJO...




   MENINO ANJO...
 Um ‘anjo’... Com a fronte molhada de chuva fina e fria, agasalhou-se num prédio, sem cor e rasurado de matizes do tempo!
    Fechou os olhos, talvez vasculhasse nuances de sua alma!
    O ‘anjinho’ tremia o corpinho franzino num espasmo triste... Cheirava cola o bom menino! A cola cheirava meu ‘Arcanjo’?
    E, perdido naquela ânsia e náusea (de um horizonte infindo!), diante do tempo... Ele era uma caricatura solta, numa paisagem sem ponto de fuga... Numa geometria confusa!
    A meiga criança... Eu vi!

     Ergueu o olhar, ausente da infância... Resolveu escalar o ‘baú’, numa aventura enlouquecida! Voou de um lado a outro, por cima do veículo, numa cena macabra!
    Seus olhos, saturados de noite, encararam uma senhora idosa com gorda carteira... Colada ao corpo, como fortuna preciosa!
    Foi tão súbito!
    O rapazinho sujo lançou seus ossos e pele pela janela do ônibus. Num relâmpago, exibiu um estilete nas magérrimas mãos... Mascaradas de vazio!
    O estilete ergueu as mãos do ‘Querubim’, numa ameaça gélida e silenciosa!
    A anciã olhou-o... Viu-o!
    Olhares se encontraram num tempo sem espaço ou pensamento, apenas emoções!
    Creio que ela (também!) tenha vislumbrado o mesmo que eu!    Talvez...
    -Pegue meu filho.
    A compaixão e a idade, refletidos no semblante daquela mulher, tornaram-se grávidos de pavor e... Carinho!
    Olhos que se vêem... Almas que se tocam!
   No tumulto da multidão, esquecemos de enxergar. Aceitamos apenas olhar... E passa-se o tempo na ausência do destino!
    O molecote, sem asas e desprovido de cores, agarrou a carteira... Num salto, retornou para o teto do ônibus.
    Silêncio estarrecedor!
    A cena, numa trilha sonora oca de notas musicais... Numa poesia hedionda com rimas bizarras! A cena...
    - Atire a pedra! Lance a primeira pedra quem jamais errou!
    - Inadmissível! Invisível?
    - De quem é o pecado?
    - Quem é o algoz? ... E a vítima?

    ‘Sóis pó...
    A sinfonia da vida fecunda-se no íntimo de cada alma.
    Sóis humanos...
 Essa realidade exala no universo em que vives!
    Sóis criadores... 
Responsáveis pelas conseqüências de vossos atos...             
Ou pela omissão... 
Diante da harmonia de tuas almas.

Sóis pó?!
    ‘Eu vi um ‘anjo’... Pendurado no teto de um veículo qualquer, de indeterminada cidade, de algum país... Em um continente de qualquer ‘planeta’!
    O ‘Querubim’ molhado de vento... Revoando na história, abrigou-se na marginalidade uma sociedade desbotada!’
     Passado ou futuro? ... Agora?

    O guri fecha os olhos. Quem sabe... Surpreso com os matizes de sua alma? ... Da ausência do arco-íris do amor... Escassez de diálogo! Recorda-se do olhar da ‘velha’ do ‘baú’.
    Seu coração fervilha numa emoção estranha! ... Palavras ecoam na brisa e rodopiam no ar... Na pele sua... Engordurada de suor!
    - Pegue meu filho... Meu filho... Filho...
   O minúsculo ‘rapazinho’ treme de solidão!


    Esmaeceu-se no horizonte, nas névoas da distância e do sobreviver!
    Agora... Perdeu-se o tempo...
    Um dia, revi meu ‘Arcanjo’ nas páginas policiais. Apenas uma manchete sensacionalista e oclusa de solidariedade!
    ... Tinta e papel... Sangue... Sem asas ou céu:
    - MORTA CRIANÇA DE RUA.
    Fome, frio, drogas, solidão... Assassinada!?
    Ou apenas mais um ANJO NEGRO?
    Ruflou nas ‘asas’ da vida o inocente ‘Querubim’... Que vi!
    Nada fiz... Eu me omiti.
    E você... Já viu algum ‘Serafim’?

    É impossível exalar luz todo o tempo. Algumas vezes, nosso aroma é a penumbra!
    Essa é a lei da polaridade! Somos mesclados com asas da mesma essência: AMOR E LUZ!
     Devemos buscar compreender a angústia que dilacera o coração de uma pessoa moralmente... Socialmente e emocionalmente desamparada.
     Sejamos anjos no dom de amar!
     Sóis pó?
     Sóis arcanjos!
     Querubins... Com asas humanas que podem e devem recolher todas as primeiras pedras e com elas reconstruir a misericórdia.
     Serafim... Podemos voejar nas plumas enegrecidas de alguns destinos... Libertando o amanhecer nos horizontes da vida!
    E dizer de consciência serena:

    - Eu vi um anjo...